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desliguei o vídeo
pois não queria que visse
os tantos cigarros que fumo
as tantas cervejas que bebo
eu sei mãe que é
difícil ver o reflexo

me enebria e enfraquece
a corrida pro sucesso
de que me pergunto
ao esperar demais da sorte

quem vai ao lado no estrago
são os espaços
e faltam empatias para não querer
outros que se estraguem comigo

talvez adotar dois gatos
só reforce o carinho
cansado que faço, mãe
e as necessidades de ter alguém
dependendo de mim

tudo o que acontece
me lembra dos problemas em nós
e eu sei que vou caindo
pra dentro da tua garganta 
eu tento falar através de ti

tenho medo do fim da vida
e também do fim da dor
porque dela já sei o nome  
mãe, quero sentir o gosto da vida 
sem tanto peso nos ombros

O tempo de um cigarro

 o tempo de um cigarro é o tempo de um choro 

que limpa a alma como uma brisa varrendo as folhas dum jornal, percorrendo sem ler todas as velhas notícias 

o tempo de um cigarro é o tempo que demora escrever uma carta breve de adeus mas que dura uma eternidade nos olhos de quem lê

o tempo de um cigarro é a espera ansiosa na frente do restaurante, esperando pra encontrar um futuro, um presente, ou uma perda de tempo 

o tempo de um cigarro é o tempo da espera decepcionante pela atenção que nunca chega, como uma promessa de chuva em meio à seca

o tempo de um cigarro é o tempo que leva uma certeza 

o tempo se desdobrou no vão desse prédio e tudo o que cresceu aqui já não floresce mais 

o tempo de um cigarro é o tempo de vida que se perde fumando, intoxicando os pulmões, 

mas já me disseram por aí que nada é perda de tempo 

o tempo que tenho é o tempo de um cigarro 

e às vezes parece ser todo o tempo do mundo 

conforme me aproximo do fim 

os cigarros parecem durar menos tal qual nossas horas 

juntos 


finitude

 a leveza vem do mar 

dos ventos das folhas caindo 

dos suspiros de fim de tarde 

da simplicidade das coisas que acontecem 

e estou sempre longe 

na tempestade, na tormenta 

atropelando as folhas, os momentos


me dizem

Calma 

muito mais vem por aí 

E sigo correndo 

Depressa levando tudo 

vendo tudo passar pesando 

pesando tudo pela

da morte do tempo 

espetáculo

 vou puxando as amarras 

os pulsos dilacerados vacilam

as vozes roucas mutam 

Sou toda carne 

Sou toda sangue 

Sou toda voz que grita 

Sou os cantos da minha loucura 

Sou os passos que contaminam 


A estrada que percorro

Distante da minha chegada é 

Sozinha, estonteante, seca 

Como um deserto de amores


E tudo no fim não é sobre mim 

é sobre os outros 

sobre as flechas que lanço 

tentando acertar outros corpos 

sobre as cordas que amarro 

tentando dilacerar outros pulsos 



de minhas pupilas vacilantes
verte o medo
de focar em ti
e esquecer como é
olhar pra longe 

dos cantos da minha boca
escorrem sedes
de te beijar mesmo sabendo
que só durará por hoje

as minhas saudades futuras 
tenho medo de serem poucas

medo das minhas curas 
serem ossos expostos
eternas fraturas

nos meus ouvidos,
barulhos infinitos 
não consigo nos ouvir 
fico sentada à mesa esperando
quais pratos vou ser obrigada 
a mastigar os indícios 

dos rasgos na minha pele
jorra a vontade de pertencer 
ao espaço que achei merecer
quando talvez o espaço que mereça
não seja dado por ninguém 
nem por mim mesma

em meus pedaços fragmentados
me junto, inerte, confusa
tentando não fugir
das quebras necessárias

mesmo que elas findem
tudo aquilo que tentei ainda que fraca
manter com brandura

que seja assim o final de tentativas 
que ruíram dum corpo desaparecido
que seja eu, tragada

e transformada em chuva 
que morra a expectativa
e que chova torrencialmente 

sobre mim 


{estar curado é diferente de estar distraído}

pra não assumir os riscos

 hesito cair por todas as vezes que 

minha boca, gotejando, não conseguiu

te habitar

quem escorre pelo cantos é porque 

não sabe nadar 

quem flutua na superfície é pra não 

ter que mergulhar 

em tudo o que um dia acaba  

pra nos salvar do esquecimento
meus olhos secam no deserto
que é te esperar 

pra que nós aconteçamos


sem nunca termos tido um bom ponto de partida

continuamos 

 sou bicho meio transparente
que desaparece por debaixo das roupas

das peles das caras

que nos horários vagos fica em silêncio 
esperando brechas, meios 
esperando pra entrar

que nos horários vagos inventa partidas 
apenas pra poder voltar 
das despedidas que tornam nossa vida


ininterrupta

se me dispo nos lençóis
é que é pra deslizar mais rápido

e nadar em você

ainda que 7 mares incruzáveis 
sem água na qual te afogar

e o tempo me disse: agora você precisa de mim?

se eu me fixo na tua boca
é que é pra você me beijar com definição

se eu te olho de frente 
é que é pra não te dar tempo de decidir 

apesar dos teus olhares que parecem
sem reflexo, transparentes 

se eu te toco depressa
é que é pra me tocar sem nenhuma calma

e as correntes me disseram: agora você quer que eu fique?

se eu corro quando chegam os fins
é que é pra tropeçar 

em você

milenar

talvez nós sejamos a última geração
que cresceu no afeto e na porrada
sem babá virtual, sem a fuga da tela
que passou a transição do carinho
pra cautela
que do toque foi pra bauman
pra não entender nada

dissincronia generalizada
já não sei se passaram dias, meses
ou se fui eu

me perguntaram que gosto tem
o meu tempo
engoli em seco
e aí me perguntaram que gosto tem
a solidão
falei de lives e
de silêncios
no momento estou louca
e isso toma demais
do meu tempo
a ponto de não caber na agenda
desenlouquecer
me sento aqui
distante de você
a poucos passos
mas me mostra
os sentimentos universais
que quando falados
tocam o mundo inteiro
deixa eu desenrolar devagarinho
depois de me esvair em solidão
respirar teu ar de presença
ser novamente cheia
de nós
na zona da saudade
cruzamos juntos caminhos
longos demais pra percorrer
a sós 

it's just a daydream

de olhos abertos
sonhei poder voltar
dias aleatórios
refazer o que já foi
reviver o que nem aconteceu

sonhei que acordava vidas
já vividas
que acordava pessoas
já partidas
sonhei que sonhava acordada
e que partia em dois
os passos dados

foi sonhando que percebi
os sonhos dos quais hoje acordo



retrato de família pt II

o meu silêncio atravessa oceanos
e eu sei que ele é gigante
não posso articular passos nágua
braçadas em tempestade
estamos distantes no olhar
nos afetos, nos jeitos

gritei tanto, esgotei sobre ti
qualquer roteiro
corri tanto relógio, esgotei em mim
tentativas, espaços, narrativas
tentei pra isso
mostrar tudo
mesmo com medo

ficamos no vácuo
flutuando no passado
vou pro depois, meio sem saber
como socorrer uma dor
cujo único resquício
é a lembrança

retrato de família

nos intervalos
passam coisas além
da rotina
chego em casa, entre cansaço
e uma cerveja gelada
e você não tá aqui
porque não pôde,
mas canso pensar de que é
porque não quer

canso pensar onde está você
agora, onde estava
antes, onde estará
depois, tudo passado

de que forma revivo
o que já passou
sem ter que pra isso morrer?

dentro duma rotina mental
que não me permite te ver
humana, real
fico presa
nessa redoma de medo
pensando como seria aceitar tudo
como seria perdoar
todos os tempos

já tão passado, mas atual

tenho sonhado em meio ao caos
sonho pesado, que dilacera
mastigo as palavras quando acordo
cogitando um rosto seco,
esquecendo de quem eu era

as unhas compridas me lembram
da nossa distância
os cabelos curtos lembram
nossa proximidade

tanto arrependimento infante,
tantos anos atrás, incapaz, dizendo
que te queria, mas sem poder
que te amava, mas sem saber

e agora reviro noites em sonho,
a revirar fins de ideias terminantes
nas tardes, nos dias, no que foi
firme de que pra hoje,
precisou existir o ontem
se não houvesse,
não te encontraria pelas noites

te encontro nos sonhos
ou nos pesadelos?

entre um vinho e outro

tenho duas taças
nunca mais que duas
pois se quebram
antes de iniciar
uma coleção

são acidentes como
a frigideira a cair sobre uma delas
derrubar quando estão
ao lado do sofá,
ao canto da mesa
às vezes se atiram
do nada
nas situações mais triviais

como um lembrete
de que é preciso
poucas bocas
pra uma noite cheia

como um lembrete
pras coisas que caem
sem que queiramos
pras coisas que caem
pra depois serem
substituídas

humanidade que sangra

passou a dúvida
ultrapassou a correnteza
que batia na nossa cara
como quem cospe e diz
quem é você

vivi o marasmo
do viver a dois, só
vi o que acontece
quando não se prepara
pra nascer

vi o que acontece
ao esperar demais,
ser quase tudo menos
só saber dar algumas coisas
não saber digerir tanta outras

vivi a festa que há
com o que resta

antes de partir

entender coisas que não compõem
os meus próprios olhos
perspectivas invertidas, sem registros
não codificáveis
tentativas sem fim
de dissolver em água quente
os desentendimentos

algumas perdas
se iniciam antes
da partida

das prévias
o coração
sente apenas medo
e chora

pedi mãos
a quem não tem braços

tive medo de esquecer
o que é um corpo

exaustão

comparecer às reuniões
às vezes de alma

reaprender jogar conversa fora
fora da agenda
tentar manter laços
engolir em seco os vácuos

limpar a casa, consertar
os vazamentos
regar as plantas
regar os vasos

ler as notícias
não dá pra emburrecer

malhar a bunda
pra não cair
com o tempo
lidar com as dificuldades
do corpo
de ser
mulher

e não esquecer

das unhas de gel
do rímel
de não recusar tantos drinks

{vendo móvel em desuso}
tratar no fone abaixo:

lidar com os absurdos da família
consertar a bicicleta
sair de casa
sem volta

abrir no peito uma energia
pras discussões
aceitar o que não muda
engolir os feedbacks
planejar grandiosidades
nesse curto espaço de nós

algumas frescuras do estômago
são simplesmente
falta de apetite 
e algumas fomes, tédio 
tive tanto sono
diante dos inacontecimentos
que dormi
ao invés de ir embora

acordei já era tarde
e o tempo foi
vestígios
sem mim
[nota vazia]

para melhorar

as coisas mudam; mudaram
mudos vamos encolhendo
pra dentro,
enclausurados

cientes do tempo,
mas à deriva;
derivando,
peito ondulando,
nunca ancorado

servindo ao delírio,
não envolve
e percorre
longos caminhos
de alma e boca
fechada

é preciso coisa difícil,
pra ir pra fora,
pra correr na chuva
é preciso coisa difícil

pra nascer
é preciso
coragem

não deixa sobrar nada

por vezes tenho fome
por vezes sou refeição:
apenas um clique
pro prato bonito
do teu cardápio

assados corações
fatias em cubos
de atenção
{as chamas resistem
às vezes
às ventanias

a quais ventanias
você vai resistir comigo?}

viro de frente
encaro a panela de óleo
que me queima por dentro
é que dele já conheço
a temperatura

vi guardanapos
sendo dobrados
os lábios estalando
a fome insaciável
talheres me rasgando
por dentro

vou à mesa servida
depois de esquentar a pele
no fogo
deslizo no teflon
chego ao ponto
na mão dos outros

servidos?
pra eles deixo sabor
de tudo o que não
ponho na mesa

desliga o fogo
e vem comer
não tenho pressa
de lavar a louça
don't let me blind so I won't let you
7h, dia 24/12. já faz sol,
mas o mundo dorme
não há alma no escritório,
especialmente nesses dias

penso nos outros lugares
que estão vivos assim apenas
pela minha consciência
mortos na ausência dos outros
e quis estar em todos eles

onde ninguém pergunte
ou queira saber
das resoluções de fim de ano
das sobras do dia seguinte
do porre inevitável

e nem quero evitar,
quero ser outra pessoa
essa noite
quero deixar durar
a dor de cabeça
em memória
às coisas que doem

Feliz Natal





Feliz Natal e um próspero Ano Novo

é dezembro, mas venta
faz frio
que atropela
e chove
no meu rosto
um tempo
que já
passou

certos presentes
não vêm embrulhados
dilaceram e
me lembro de
esconder debaixo da mesa
os que eram incógnitas
em datas festivas

chove
por dentro
separados, por dentro
do peito uma nébula
reluz pelas feridas
e aceito não poder
mastigar os gostos
as coisas que só
consigo com os
poros abertos da minha pele

na chuva
que por fora
escorram as verdades
enquanto parto pra longe
dos microespaços
onde um dia fui

a língua
que secou

ainda
que
chova
te
deserto

e que molhem os ossos
antes que se partam
ocos, dispostos numa mesa
de ceia farta
sem apetite

que molhe
a minha cara
antes que pare a chuva
e eu não tenha
tido tempo
de chorar

que deslizem cansadas
as surpresas
de uma vida já desenhada
as novidades
de um desfecho viciado
os suspiros
que se afoguem
em quem já
cansou de festejar


dúvida

a dúvida
não deixa
dívidas 

ela vagueia 
nos atos 
de escassez 
nas frases
de abundância 

imerge nas verdades
que abraçam mentiras 
encara de frente
os pesadelos

a dúvida 
é uma pergunta
sem resposta
porque ela é 
em si
a resolução 

o amor

também se atrasa
se engana
se despede
O amor
também vira pó

ciclos

ver o abismo
correr do abismo
cair no abismo
aceitar o abismo
sangrar no abismo
cavar no abismo
chorar o abismo
abraçar o abismo
crescer no abismo
escalar o abismo
sair do abismo
ver o abismo

o amor pede braços

não consigo dormir de braços
acho que porque a vida
não me preparou
durmo no canto
afastado quando muito
fugindo dos traços matinais

lembrar das vezes em que
os afetos me eram
socos na boca do amor
gritando socorro
e os cafés da manhã
eram pratos vazios
ocos chorosos
houve esse tempo

tantos
e a Renata me deu plantas e flores
lá no sítio
nem imagina o quanto isso
quis dizer aos meus
braços partidos
ao meio
 

ir embora

não quero muito,
por mais que não convença
aqueles que exigem sempre
fico na margem das
palavras que são
quando muito diretas demais

ainda assim
aos poucos sofro
muito pra partir

sozinha

não quis fumar logo, pega mal, mas fiquei nervosa
fui pra beira mar
disposta a ser encarada de frente
por estranhos
é que eles não conhecem
além da minha pele

tem essa outra fome que vem
do estômago
enquanto eles falam
fico vazia

táticas de amor

imprimi no teu desejo
a minha boca úmida
observo os aviões ao longe
por cima da mata
e como estamos
distantes entre tanto ar
sobrevoamos para encontrar
algo
alguém
queria que meu isqueiro não
fizesse barulho
ele denuncia minha humanidade
a buscar algo pra preencher
a boca e os dedos
é que tenho fome
e ainda assim
solidão não é um problema
pra se resolver

entre a verdade e a mentira

permeio certos mundos
em silêncio
dá pra ver de longe
o que é verdade
e o que é desespero

é que a vênus em aquário
mergulha quieta
longe do caos da rua,
foge da aprovação incessante,
vai ao contrário

não é de hoje
que falar o tempo todo
não é necessariamente
se comunicar
não é de hoje
essa fome de pensar longa a vontade
pra depois deixar morrer
apaticamente os fins

{imprimo poesia
nos meus punhos
que é pra poder
no meio disso tudo
existir}
quando o chuveiro tá ligado,
quando o trem tá passando, 
no meio da ventania, o quê? 
fala mais alto
tô tentando

todas as vezes eu gozei
querendo te amar
me fala tudo, a verdade e a mentira, que não tô aqui pra meias frases
e tudo bem não saber o que falar, mas tenta
a gente troca o que a gente põe em cima da mesa
poetizar o silêncio cansa, se torna antirevolucionário com o passar das repetições
me fala o que aconteceu, por mais idiota que pareça, me fala o que acha disso, os insights, as análises, os filmes que se relacionam, aquela matéria no jornal que fez lembrar alguma coisa
por mais amendrontador que pareça, me toca no olhar, no som, deixa eu te achar idiota e me acha também
mergulha e vem, não tô suportando tanta poça d'água
meus olhos 
são metade do teu olhar
minha pele
metade do teu toque
e procuro, no intervalo
daquilo que nunca terminou,
saciar o desejo de sermos algo
além de todas as dúvidas
11/19

still dont know my name

nesse amontoado de certezas que a gente tem
não ter certeza da gente se torna (...)
e fugimos 
pra longe, pra qualquer lugar 
porque descobrir (...)
o ser humano dói
e dá trabalho

te sinto perto
e longe 
e não sei meu nome 
nem o teu

qualquer coisa ocupa o espaço
onde as ideias gostariam de estar
lamento o rolar de dedos 
a caírem por si, sem querer 
e a dizerem coisas
que as músicas
não ousam

sei que assusta,
mas é que já
não tenho medo

meu medo é
entorpecer de sonhos
realidades inexistentes 

de todas as possibilidades
o que eu tenho
é 
nada 


morte de todas as coisas pt II

gotas de chuva tornam mares 
palavras tornam flechas 
depois tornam agora
que vem antes, deixo pra depois

queria ter voz nessa tempestade
de areia e de silêncios

queria saciar 
no meio da falta
no meio da seca 
no meio da gente 

queria arrastar correntes 
sem que elas afundassem 
queria que meus pés
se movessem ao correr

queria que as incertezas
se esfacelassem no meio dos dedos
tornando poeira o que um dia 
foi sólido e que só sobrasse 
dúvida que nunca termina

queria 
no meio da contradição da vida 

que nada nunca morresse 


em busca dos rituais de passagem


as plantas tão secando, percebi
esqueci de regar
é que vinha chuva, disseram
esqueci coisas no meio do caminho
e agora elas tão ali, perdendo tempo
as raízes fortes tentando sobreviver
em tempos de escassez
atrás do tempo correndo
entre as paredes secas dos vasos

puxo conversas sem tempo, sem lugar
encurto minutos que espicham horas
discorro narrativas que desdobram
em finais improváveis
descumpro as obrigações rotineiras
pra poder sofrer
porque esqueci de colocar na agenda

me esqueço dos motivos
porque demoram pra passar
as horas me mastigam
espero com medo os tempos 
que escorrem
pra depois solidificarem 
numa outra coisa

vagueio no deserto do meu peito


faz calor
meus olhos refletem a secura desse ar
piscam, ressecam, dissecam
a paisagem defronte
a pele das costas borbulha
tenho sede que os cactus não resolvem
das suas raízes profundas
a saciedade é demorada
e estou morrendo

meus pés afundam e sinto
pedrinhas minúsculas 
nos minúsculos espaços do meu peito

um deles me contou que lá vem chuva
e me arrasto, solitária, sedenta, servente
numa esperança sorrateira
num desejo de mergulhar ondas
longe das ardilosas ondas dos desertos
encantadoras e silenciosas
que ondulam pra longe
o meu desejo

tento palavra, falta umidade
vagueio sem som, sem passos
lentamente desaparecendo
por entre os cantos da seca saudade
das chuvas que nuncam chegaram

fases de terra

tem alguma coisa no silêncio
que me faz caber
talvez medite sem saber
na turbulência interna
de não precisar nadar
no mar dos outros

é que avistei terra, já faz um tempo
é que da terra nascem coisas
que aos poucos germinam
é que essa umidade se relaciona
com os vales férteis das coisas boas

e não com as incertezas
do mar oculto
não com a embriaguez
do navio perdido
que a esmo fica,
que deixa o vento guiar

cansei de ensinar o que preciso aprender
e meus versos inacabados têm sede
duma maresia que encontra no cais
lugar pra ancorar
vive
silêncio
as cortinas se fecham
e até o próximo ato